Truque gráfico: como transformar a superfície do papel de um livro
Neste texto, Cecilia Arbolave analisa uma escolha fundamental de produção gráfica para "O espaço entre as folhas da relva", publicado pela ÔZé Editora.
Olhe para uma laranja
Olhe para ela sete vezes
Olhe com o nariz
Olhe com as mãos
Esses versos surgem junto a uma ilustração colorida de página dupla, com uma pessoa em cima de uma bicicleta com os braços abertos. É o início de O espaço entre as folhas da relva, de Maria José Ferrada e Azul López, publicado pela ÔZé Editora.
O livro desperta sentidos e emoções, assim como provoca a prestar atenção no espaço ao redor, nas distâncias simbólicas, no poder criativo do olhar e no momento presente. É daqueles que te fazem sorrir, pela beleza das palavras, pela beleza das imagens e pela relação lúdica entre essas duas linguagens.
O formato da edição brasileira valoriza o conteúdo: gostoso de pegar, formato pequeno para os padrões de um livro ilustrado (15 x 20 cm), encadernação com costura e capa brochura (a chamada "capa mole"). O papel? Bem, esse é justamente o assunto deste texto.
Costumo começar a leitura de um livro pelo colofão, aquele parágrafo encontrado na última página que revela algumas informações da produção daquele impresso. Vai da cultura de cada editora quantas pistas compartilhar: fontes usadas, tipo de papel, técnica de impressão, tintas, gráfica, mês, ano… Cada um escolhe, não há regra. Na obra em questão diz assim:
O livro “O espaço entre as folhas da relva” foi composto para a edição brasileira no Estúdio Entrelinha Design, impresso em papel offset 150 g/m², em 2023.
Ler esse colofão e folhear as páginas gera um curto-circuito: papel offset? Mas essa textura não é de um material mais sofisticado? Como é possível?
Em novembro de 2023, na feira de Guadalajara, Zeco Montes recebeu uma obra belíssima para editar. Ferrada lhe confiou os direitos para que saísse no Brasil pela ÔZé editora e entregou um exemplar da edição italiana como referência. “Era maravilhosa, mas impressa em um papel que não tem aqui. No processo de pesquisa, o Caco Suriani, da Ogra Oficina Gráfica, sugeriu uma solução para dar ao papel nacional offset comum um aspecto similar ao papel europeu”, contou Montes.
O segredo: gofragem. Essa técnica de enobrecimento consiste em pressionar o papel contra um cilindro com textura em alto relevo e, assim, gerar depressões na superfície. O maquinário tem uma base rígida (o cilindro formador) e uma base macia. Existem texturas prontas, como casca de ovo, treliça, madeira, colmeia, entre outras (veja exemplos).
Para O espaço entre as folhas da relva foi escolhida a casca de ovo, mas a produção teve seus desafios. “Na primeira tiragem, fizemos a impressão e só depois aplicamos a gofragem. Porém, como o processo cria pressão no papel, ele dilata e aqui havia risco de a impressão soltar, já que o miolo tem áreas com cargas elevadas de cor”, diz Suriani. Para evitar problemas, foi usado um verniz “eco fosco” após a gofragem. Nada como uma segunda tiragem para testar outros caminhos. “Desta vez, achamos melhor fazer ao contrário: ou seja, aplicar a gofragem no papel em branco e depois imprimir.” Em termos de custo, ele aponta que a gofragem pode ser considerada um enobrecimento econômico, até 45% mais barata que a laminação.
É comum ver esse recurso usado em capas: a Fósforo, por exemplo, desenvolveu uma textura própria que aplica nos seus livros, com o desenho de estrelinhas que lembram faíscas – veja mais detalhes neste vídeo.
Usar gofragem no miolo de O espaço entre… foi uma saída sagaz porque deixou um material corriqueiro com aspecto de papel sofisticado. O resultado valorizou a textura das ilustrações — parece um papel de desenho mesmo — sem encarecer a produção. Se fosse um papel fino, o preço de capa seria mais elevado.
O tema nos leva à seara dos papéis editoriais (conhecidos como ‘imune’ porque tem isenção tributária se usados para livros, jornais, revistas e periódicos) e os papéis finos (coloridos na massa, translúcidos, texturizados, entre outros), que são mais caros. Em breve discutiremos o assunto no Boletim Tatuí.
Encerro o texto com três recomendações. A primeira: o Bancatuber que Ian Uviedo gravou sobre O espaço entre as folhas da relva. A segunda: o episódio do Papo Tatuí “Livros inúteis”, com Zeco Montes, editor da OZé Editora, que tem no catálogo outro livro da Maria José Ferrada (Escondido) e mais pérolas. A terceira: Kramp, livro da autora publicado no Brasil pela Moinhos que não canso de indicar e que foi lido no Clube Tatuí de Leitura em julho de 2022.
Cecilia Arbolave é uma jornalista e produtora gráfica argentina, sócia da Lote 42, Banca Tatuí e Sala Tatuí. Escreveu O livro de fazer livros: produção gráfica para edições independentes (Lote 42, 2024), Sapos e Sonhos (Livraria Gráfica, 2024), entre outros.
LINDO!
Sempre muito incrível aprender mais sobre os livros 🥰